O
CHIP PORTUGUÊS
O desemprego é um flagelo que atinge de forma brutal a
sociedade portuguesa. É lamentável. Mas, a obstrução ao emprego em Angola,
nalgumas áreas em que é reconhecida a existência de pessoal local diferenciado,
por causa do desemprego em Portugal, não é menos lamentável e começa a ser um
drama, que deixando indiferente os portugueses, ameaça vir a potenciar um
perigoso foco de tensão social.
E não vale a pena tentar tapar o sol com a peneira
porque não estamos perante uma narrativa ficcional. Estamos perante uma
realidade amarga, que começa a afectar a vida muitos angolanos com reconhecidas
aptidões académicas e profissionais.
É evidente que, longe de quaisquer tentações chauvinistas,
ninguém de bom senso pode deixar de reconhecer como sendo bem vinda a mão de
obra portuguesa qualificada desde que, para ocupar funções para as quais não
haja, literalmente, angolanos à altura.
É evidente também que ninguém de bom senso tem dúvidas
de que, em alguns sectores da sua economia, Angola ainda não dispõe de quadros
em quantidade e qualidade suficientes para enfrentar os desafios do presente e
do futuro. Ninguém ignora isso.
Mas, esta realidade não pode servir de pretexto para,
intencionalmente, os angolanos qualificados serem votados ao desemprego e o
país colocado à mercê do monopólio de mão de obra estrangeira, seja ela
portuguesa ou outra qualquer. Com este monopólio, em vez de emigrantes, estamos
perante uma nova “invasão” de cooperantes portugueses que, “vindo à pé” como
diz o povo, em muitos casos, exercem funções que podem perfeitamente ser desempenhadas
por angolanos.
Estamos perante uma “invasão” propulsionada a pretexto
da lusofonia, como se de repente tivéssemos perdido a nossa identidade e
tivéssemos deixado de ser em primeiro lugar angolanos. A culpa é dos
portugueses ? Não! A culpa é das nossas elites, que estão com os reflexos
condicionados por terem incorporado um chip português na sua estrutura mental,
que as faz pensar que o centro do mundo é Portugal e a nossa capital Lisboa.
A culpa é ainda das nossas elites porque por detrás
das empresas portuguesas de pretenso direito angolano está, invariavelmente, sempre
uma figura de proa do sistema, que não controlando nem a sua gestão financeira,
nem a natureza dos seus recursos humanos, está apenas preocupado em engordar os
bolsos, sem se aperceber que por detrás dos seus bolsos há quem, vindo de fora,
engorda ainda muito mais...
Porque assim sucede?
Porque a maioria dos portugueses que aqui aporta está
apenas preocupada em tentar resolver os seus problemas através de Angola mas,
Angola não tem visto os seus problemas resolvidos através de muitos desses
portugueses, que se apresentam no mercado com arrogância e complexo de superioridade.
Os portugueses não estão aqui porque gostam de Angola e da sua (má) qualidade
de vida. Não tenhamos ilusões!
A maioria dos portugueses está aqui exclusivamente
para defender o seu emprego e prolongar o mais tempo possível a sua dourada permanência
em Angola. A culpa é dos portugueses? Não! Mais uma vez a culpa é das nossas
elites governamentais, que incorporando um estranho síndroma, não são capazes
de dar a quadros diferenciados de Angola, Cabo-Verde ou da Índia, por exemplo, as
mesmas oportunidades dadas aos portugueses...
Ainda recentemente, uma grande consultora
luso-angolana foi confrontada com a necessidade de recrutar engenheiros e a
solução que a parte portuguesa se preparava para encontrar, seria a
“importação” de engenheiros portugueses que estão em Portugal no desemprego...
Valeu então a intervenção da liderança angolana na
empresa que, em menos de uma semana, conseguiu mobilizar 38 engenheiros
angolanos que estavam fora do mercado de trabalho! Desses 38 engenheiros apenas
seis se licenciaram em Angola, tendo os demais sido formados e concluído os
mestrados nos Estados Unidos, na Rússia ou na África do Sul. O argumento a
seguir evocada pela parte portuguesa era o de que esses engenheiros não tinham
experiência...
Ora, aqui está um falso problema. Se, neste e noutros
domínios, os angolanos não têm experiência, então porque não dar-lhes oportunidade
para a adquirirem?
Onde está, por outro lado, a experiência de jovens
cooperantes lusitanos com pouco mais de 20 anos vindos de Portugal e que, em
muitos casos, saídos directamente das universidades, se apresentam no nosso
mercado de trabalho como consultores?
Porque razão entre um angolano e um português, ambos
formados na mesma universidade em Portugal e detendo, nalguns casos, o angolano
melhores performances académicas que o português, na maioria das empresas lusas,
este beneficia de um ordenado três a quatro vezes superior?
É evidente que amantes da cultura de insubmissão e
avessos à humilhação, muitos dos jovens angolanos nestas condições, acabam por
fazer valer as suas competências em empresas não portuguesas onde auferem
salários e condições de trabalho bem mais dignas. Alguém pode explicar em Lisboa a razão para tão gritante e
ofensiva descriminação?
Uma boa parte dos escritórios de advogados de
angolanos associados a portugueses começa a ser controlado por estes a partir
de Lisboa através de mecanismos subtis de subalternidade do papel dos advogados
angolanos.
No domínio do cirurgia cardíaca não seguimos o exemplo
da Costa do Marfim cujo representante no último congresso dos médicos realizado
no nosso país foi claro em relação à terapia ali utilizada. Dois anos de
permanência de médicos canadianos e franceses foi suficiente para os dispensar
e “costa-marfinizar” as cirurgias. Por aqui, não sucede o mesmo com a vinda de
médicos portugueses. A culpa é dos
portugueses? Mais uma vez, não! Mas, lá que é preocupante, lá isso é...
Ninguém em Angola tem duvidas do tique racista que
emana do comportamento dos franceses em África. São claros e não escondem! Com
os franceses, sabemos com quem estamos a lidar. Os portugueses, na sua relação
connosco, incorporam um insustentável paternalismo, como se pudéssemos voltar a
ser tratados como nos velhos tempos, como bons rapazes...
Quantas empresas portuguesas de direito angolano têm
na sua liderança em Angola quadros angolanos com poder de decisão? A excepção
do caso de Lopo do Nascimento, que é quem é, e que abriu as portas para a
injecção de capital angolano na COBA em Portugal, nenhuma empresa lusa acredita
nas capacidades e nas competências dos angolanos. O mesmo sucede com a
cooperação chinesa.
Quantas empresas portuguesas seriam capazes de nomear
um angolano como seu representante para África? Nenhuma! A brasileira
Odebrecht, que não tem em Portugal nenhuma construtora com a sua dimensão
estrutural e músculo financeiro, fê-lo sem pestanejar e nomeou um angolano para
o representar no nosso continente.
A diferença está aqui. A maioria dos portugueses ainda
não percebeu que a lusofonia é uma tentativa sub-reptecía do prolongamento da francofonia,
agregadora de laivos de neocolonialismo expressa no comportamento dalgumas das suas
empresas, consultoras e agências de comunicação em Angola.